STF veta sucessão trabalhista

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por unanimidade, que não há sucessão de dívidas trabalhistas nos casos de compra de ativos de empresas em recuperação judicial ou em processo de falência.

Luiza de Carvalho e Zínia Baeta

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem, por unanimidade, que não há sucessão de dívidas trabalhistas nos casos de compra de ativos de empresas em recuperação judicial ou em processo de falência. Apesar de o julgamento trazer maior segurança jurídica para os negócios realizados nessas condições, a decisão dos ministros não solucionou por completo os "problemas" gerados a partir da nova Lei de Falências, de 2005. Na avaliação de especialistas na área, é necessário que o Poder Judiciário defina o que são as chamadas "unidades produtivas isoladas" citadas no artigo 60 da legislação. O dispositivo, considerado constitucional pelo Supremo, estabelece que as filiais e as unidades isoladas alienadas durante a recuperação judicial estão livres de qualquer ônus e da sucessão de dívidas para o arrematante. No entanto, como o conceito de unidade isolada estaria ainda em aberto, em diversas situações a sucessão poderia continuar a ser determinada em aquisições realizadas em processos de recuperação judicial. A hipótese é exemplificada, por alguns advogados, com o caso da Varig, adquirida pela Gol em março de 2007.

O caso da Varig foi citado por diversas vezes durante o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pelo PDT no Supremo, mas não foi levado em consideração pelos ministros. A advogada Eliasibe de Carvalho Simões, que representou o Sindicato Nacional dos Aeroviários, "amicus curiae" (parte interessada) na ação, afirma que os nove mil trabalhadores da antiga Varig, demitidos em decorrência da venda da empresa, jamais receberam seus direitos. No entanto, os ministros adotaram o argumento do advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, de que não estava em questão a boa ou a má-aplicação da lei, o que deve se restringir às primeiras instâncias da Justiça, mas a lei em si.

Apesar de não discutirem o conceito de "unidade produtiva isolada", os ministros do Supremo foram unânimes em considerar que o valor pago pela venda de ativos de uma empresa em recuperação é destinado prioritariamente à quitação de créditos trabalhistas incluídos no processo de recuperação, otimizando a possibilidade de pagamento dos trabalhadores com direitos a receber. A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) se manifestou no sentido de que as regras da nova Lei de Falências viabilizam a preservação da empresa, pois, antes da lei, dificilmente eram comprados ativos de empresas em recuperação em função do risco de débitos trabalhistas e fiscais em aberto. O ministro relator da Adin, Ricardo Lewandowski, afirmou em seu voto que a lei é coerente com a necessidade de preservação das empresas diante de um contexto de concorrência predatória e de crises mundiais. "A não-sucessão dos débitos trabalhistas, na verdade, aumenta a garantia dos trabalhadores em receber seus direitos", afirmou. Na opinião do ministro Cezar Peluso, a função da lei é justamente essa, pois se fosse lucrativo adquirir empresas em colapso, ela seria inútil.

No entanto, para o advogado Otávio Neves, que representa o PDT, a isenção de obrigações faz com que o comprador não precise respeitar a legislação do trabalho, como, por exemplo, realizar demissões arbitrárias. Para Neves, a não-sucessão faz com que toda a mão de obra qualificada de uma empresa seja motivada a abandoná-la quando ela entrar em dificuldades financeiras. O Congresso Nacional, chamado a se posicionar no processo, informou, por meio de seu advogado, que a intenção dos legisladores ao aprovar a lei foi a de garantir a sucessão na compra de ativos de empresas em recuperação judicial.

A decisão do Supremo foi recebida com entusiasmo por advogados que atuam na área de recuperação de empresas por solucionar parte das dúvidas geradas a partir da entrada em vigor da nova Lei de Falências. e por assegurar a principal inovação da norma, que seria o afastamento de qualquer tipo de responsabilização de terceiros. O advogado Julio Mandel, do escritório Mandel Advocacia, afirma que decisão traz segurança jurídica aos negócios realizados com empresas em recuperação. Segundo ele, no momento em que existe alguma dúvida sobre a sucessão na alienação desses bens, dificilmente eles seriam vendidos, ou então seriam negociados por valores muito baixos em razão dos riscos do negócio. "Se a empresa não consegue liquidez e não se desfaz de um ativo inoperante, pode quebrar", diz. O sócio do escritório Motta, Fernandes, Rocha Advogados, Paulo Penalva Santos, que atua na recuperação judicial da Varig, afirma que o julgamento do artigo 60 da nova Lei de Falências foi fundamental, pois muitos negócios já deixaram de ser realizados em razão dessa dúvida. Apesar dessa definição por parte do Supremo, o advogado Julio Mandel entende que alguns conflitos continuarão a ocorrer, em razão de não ter-se bem definido o que é uma unidade produtiva isolada. Nesse caso, ele entende que caberia ao juiz da recuperação definir se a unidade em questão seria caracterizada dessa forma. Penalva Santos diz que a definição do que seria unidade isolada, por ser matéria de fato, dever ser examinada caso a caso. A definição desse conceito em lei, como afirma, é algo complexo, por se tratar de algo muito mais econômico do que jurídico. O advogado do Mattos Filho Advogados e professor de direito do trabalho da PUC de São Paulo e da GV/Law, Paulo Sérgio João, entende que mesmo com o julgamento do Supremo, a Justiça do trabalho continuará a analisar o tema caso a caso, julgando de acordo com os fatos de licitude no processo de recuperação judicial.

Para o caso Varig/Gol, o entendimento do mercado é o de que o julgamento do Supremo não solucionará a avalanche de processos judiciais movidos por ex-funcionários da Varig contra a Gol. Nesse caso, o que muitos advogados entendem é que o que vai pautar a questão será a comprovação de que a parte negociada da Varig seria uma unidade isolada.

O único ponto de discordância entre os ministros durante o julgamento de ontem foi sobre o teto de 150 salários mínimos, fixado pelo artigo 83 da nova Lei de Falências, para o recebimento de créditos trabalhistas na primeira etapa da recuperação judicial e em caso de falência. De acordo com a lei, os créditos trabalhistas que excederem esse valor deverão entrar como quirografários, ou seja, como últimos a serem recebidos - a Advocacia-Geral da União (AGU) defende que o teto seria bastante razoável, tendo em vista que, conforme um levantamento feito pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 2002, a média das indenizações em ações trabalhistas é de 12 salários mínimos. O ministro Ayres Britto e o ministro Marco Aurélio consideraram o artigo inconstitucional - o primeiro, porque a totalidade dos créditos trabalhistas deve sempre ter prioridade; e o segundo, pela proibição constitucional de se utilizar o salário mínimo como indexador. Os demais ministros, no entanto, entenderam que o teto é razoável e levaram em consideração que o limite evita fraudes - como em casos em que administradores de empresas em processo de falência ingressam com ações trabalhistas com pedidos milionários, acatados pelas empresas com o objetivo de bloquear a verba disponível para as demais demandas dos trabalhadores.