A nova execução fiscal e a agonia do mais do mesmo
O sistema atual, fixado em lei de 1980, encontra-se esgotado pela própria seiva: inoperante
O estoque de créditos tributários, o volume de  execuções, a média de duração desses processos e o desperdício de  energia burocrática suscitam conjunto de soluções gerenciais e  legislativas que aponta, entre outros, para a necessidade de uma nova  lei de execução fiscal. O sistema atual, fixado em lei de 1980,  encontra-se esgotado pela própria seiva: inoperante, mais preocupado com  procedimentos do que com resultados, lento, é o aliado perfeito do  devedor contumaz.  
A melhoria em cadastros e fluxos de informações, o uso da  informática e de processos eletrônicos, bem como as simplificações na  forma de quitação de débitos ajuizados, não foram suficientes para  enfrentamento definitivo do problema. Os relatórios de gestão da  Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (2008) dão conta de uma dívida de  R$ 565 bilhões que precisa ser cobrada.  
O novo modelo de execução fiscal que se pretende implementar prevê  ato de constrição preparatória e provisória, de competência da Fazenda  Pública credora, cabendo seu controle ao Judiciário. Precedida de  notificação, que dará ao devedor 60 dias para pagar, parcelar ou  garantir o crédito reclamado, a referida notificação também abrirá prazo  de 30 dias para que o notificado possa invocar pagamento, compensação,  matérias de ordem pública, bem como outras relativas à nulidade da  dívida cobrada. E poderá desconstituir judicialmente a penhora. Além do  que, é apenas o juiz quem poderá autorizar que a constrição preparatória  se converta em penhora definitiva. A Fazenda Pública deverá ajuizar a  execução fiscal em 30 dias, contados da realização da referida  constrição preparatória. 
O devedor poderá impugnar os atos praticados pela Fazenda Pública.  Não se proibirá, em nenhum momento, a provocação ao Judiciário, por  parte do executado. Aos autores do projeto certamente não escapou a  elementar lição (hoje constitucionalizada) de que a lei não pode excluir  do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça de direito. Feita a penhora  (administrativa) a cobrança seguirá para as Varas da Fazenda Pública  que julgarão os embargos e a impugnação destes, feita pelo credor. 
O Sistema Nacional de Informações Patrimoniais do Contribuinte que  se cogita é mera reunião de dados esparsos que hoje já se dispõem, e que  são de conhecimento público, a exemplo de registros em cartórios de  imóveis e em órgãos do trânsito. O banco de dados será alimentado com  informações da Secretaria da Receita Federal do Brasil e dos órgãos e  entidades públicos e privados que, por obrigação legal, operem  cadastros. Os aludidos cadastros seriam também disponibilizados aos  Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.  
Sentença que rejeitar liminarmente a execução tornará sem efeito a  constrição preparatória ou provisória. O despacho do juiz que deferir a  inicial implicará em ordem para citação, convolação da constrição  preparatória em penhora ou arresto, intimação do executado, registro da  penhora ou arresto, independentemente do pagamento de custas ou  despesas. Permitir-se-á, em qualquer momento, antes do ajuizamento da  execução, por parte da Fazenda, ou pelo Juiz, após o ajuizamento, a  substituição da garantia por depósito em dinheiro, fiança bancária ou  seguro garantia. O devedor poderá impugnar judicialmente os atos da  Fazenda, em 15 dias. O executado poderá embargar, em 30 dias, sem que se  tenha a suspensão da execução.  
No conjunto de medidas de que se cogita, há também outro projeto de  lei que prevê, além de mecanismos de dação em pagamento, amplo conjunto  normativo que disciplina regime de garantias extrajudiciais, de  procedimento de leilão extrajudicial, bem como de parcelamento de  dívidas de pequeno valor. Pretende-se modelo mais factível para extinção  de créditos inscritos em dívida ativa da União, de natureza tributária  ou não tributária, ajuizados ou não. Estes poderão ser extintos, total  ou parcialmente, mediante arrematação ou dação em pagamento em leilão  extrajudicial de bens imóveis.  
O Judiciário controlará todos os passos da nova execução fiscal. As  regras atendem também aos interesses dos bons pagadores de tributos;  embora, bem entendido, enfrente as estratégias proteladoras de devedores  que ganham na exploração da ineficiência do modelo atual. Ganha o bom  contribuinte. Eventual alteração na certidão da dívida ativa obriga que a  Fazenda Pública pague honorários de sucumbência. A investigação  patrimonial dos devedores é mecanismo já existente, no interesse da  sociedade, e de livre trânsito em informações que são de domínio  público. O redirecionamento da execução já existe, e é fórmula que a  jurisprudência autoriza e incentiva. Não se pode dizer que o devedor  será julgado pelo fisco, pois à Fazenda a lei não dispõe de poderes para  julgar. E nem poderia. 
O projeto assusta na medida em que ajusta a execução fiscal à  velocidade e às técnicas de informática com as quais convivemos. Pouco  compreendido, é vítima anunciada daqueles que não o leram, e já não  gostaram. E se leram, não entenderam. E se leram e entenderam,  perceberam que suposta frouxidão normativa para com devedores que se  valem de um modelo antiquado estaria com os dias contados. Aprovado o  projeto, contaremos com modelo eficiente de cobrança de créditos  fiscais, a exemplo de países que tratam a questão com menos retórica e  com mais consciência de que direitos não brotam em árvores e que  precisam ser pagos com recursos públicos. Não se pode simplesmente  defender a tese do mais do mesmo, isto é, mais investimento no modelo  atual, que se mostra ultrapassado.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy - Procurador da Fazenda Nacional e doutor em direito pela PUC-SP